quinta-feira, 11 de junho de 2020

OS CAMINHOS DOS COMERCIANTES JUDEUS NO GRANDE MEYER (Parte 4)

Continuação



Colchoaria do Povo, na Rua 24 de Maio, 783.




Passando para o eixo 24 de Maio/Amaro Cavalcanti, vou abordá-lo no sentido contrário. O primeiro estabelecimento de que me recordo era a
®   Loja de móveis do Sr. Szymon Rodacki, na esquina da Rua Alice Figueiredo ou Henrique Dias, não estou certo.
®    No número 783, junto ao prédio da hoje desativada Faculdade Celso Lisboa, situava-se a Colchoaria do Povo (iniciada ainda nos anos de 1930), e cujo titular era o Sr. Jankiel Fajngold. O imóvel ainda existe, abrigando uma oficina de reparo de veículos.
®    Em seguida, na Rua 24 de Maio, em frente à passagem sob a via férrea que comunica os dois lados do Engenho Novo, a loja de móveis do Sr. Jacob Strasberg
®    No caminho para o Meyer, um breve desvio permite encontrar, na R. Barão do Bom Retiro, 51, a loja de móveis do Sr. Jayme Creimer, outro ativista comunitário, que presidiu o Centro Chaim Weizman.
®    Já no Meyer, ingressando pela Rua Dias da Cruz, vamos encontrar, quase na esquina com esta, no número 13 da R. Silva Rabelo, a confecção de roupa íntima do Sr. Çudok Handelsman. Mais tarde, com as desapropriações ocorridas na área, visando a criação da praça hoje chamada Agripino Grieco, a industria foi transferida para o prédio na Rua Getúlio, prosseguindo com o mesmo ramo, sendo que, após, assumiram a direção, Sender (Alexandre) e Sarah Motyl, respectivamente genro e filha do criador. A empresa existe até hoje, em plena atividade.   
Há um longo caminho até chegarmos, já no Engenho de Dentro, e depois do encontro com a Rua Adolfo Bergamini, a
®    Loja – igualmente de móveis – do Sr. Pinus (Pinheiro) Goldschmidt.
®    Ao lado dela, e em igual ramo de comércio, era estabelecido o Sr. Nathan Lachter, genro do casal Steinberg, adiante mencionado.
®    Quase em frente, na mesma Av. Amaro Cavalcanti, o comércio de móveis do Sr. Duvid (David) Vaisman, um dos poucos nascidos na Europa que falava um português impecável, e sem sotaque algum. Um dos filhos, Maurício, excelente advogado, faleceu precocemente.
® Alguns metros antes, o comércio de relógios e pequenas jóias, com ênfase, principalmente, para consertos, do casal Basia e Isaac Streinberg.
Mas, no Engenho de Dentro, a maior parte do comércio gerido por judeus localizava-se na Rua Adolfo Bergamini, e, praticamente todos, dedicados ao comércio de móveis. A exceção, neste particular,
®  Era o estabelecimento de armarinho e correlatos, do qual era titular o Sr. José Shcolnik.
®    Tenho lembrança da Mobiliária Belo Lar, do Sr. Gerson Dunajer.
®    A firma Comarovsky e Abramovitch tinha como um dos sócios o Sr. Enrique Comarovsky, que, antes de vir ao Brasil, teve uma passagem pela Bolívia.
®    O Sr. Leon Melamed comerciava, se não estou enganado, como firma individual.
®    Não tenho maiores recordações de detalhes de um estabelecimento em que um dos sócios era o Sr. Idel Mudrik.
®    Finalmente, no número 140, tinha sede – também como firma individual – J.L. Arkader, titularidade do Sr. Judka Leib Arkader, sendo que, de seus filhos (Rosalvo, Jacob e Raquel), esta última, com o sobrenome Vaissman, é, também, uma importante ativista comunitária.
Gostaria de agradecer aqui a ajuda de:  Adolpho Milech, Dan Pilderwasser, Marlene Sztyglic, Perla Shcolnik, Rachel Vaisman e dos três Jacob Arkader (filho de Chana e Pinchos Arkader).


Fim...




OS CAMINHOS DOS COMERCIANTES JUDEUS NO GRANDE MEYER (Parte 3)

Continuação

Só vamos encontrar duas outras atividades no chamado eixo Arquias Cordeiro, uma no Engenho Novo e a outra na Rua Dois de Maio, já no Largo do Jacaré. ambas om características mais industriais.
®   A primeira, na Rua Souza Barros, era a Fábrica Tarzan, lidando com móveis de ferro batido.
®    A outra era M. Lomacinsky, na atividade de madeiras, compensados e similares
Outros polos, ainda do mesmo lado da via férrea, eram Pilares e Abolição. Antes, na então Av. Suburbana, próximo à Rua Piauí, a
®    Confecção do casal Abram Mordka e Szejwa (Sara) Turek.
Em Pilares, tínhamos, no
®    número 53 da Rua Álvaro de Miranda (hoje, Alfredo de Souza Mendes), a loja do Sr. Idel Jablonka, no comércio de armarinho.
®   Comércio de roupas exercido pelo Sr. Marcos Zylbersztejn, pai do Rogério Jonas, o querido e saudoso Rogerinho.
®  A firma Golebiovski & Serman (comércio de móveis) tinha como sócios Aba (Abel) Golebiovski e Szymszon Szerman.
®    No ramo de alfaiataria, atuavam os Srs. Prais (cujo prenome não recordo) e Ela (Elias) Miasnik.
A Rua Álvaro de Miranda, como dito acima, teve o nome trocado para Alfredo de Souza Mendes, mas só até o cruzamento com a linha do trem (no caso, Linha Auxiliar), voltando, a partir daí, à mesma denominação anterior, até Inhaúma.
®  No número 210, tinha sede a Casa Cometa, de materiais de construção, tendo como titulares os irmãos Szamszon Ber (Bóris) e Leiba (Leão) Jarczun.  
Retornando ao Largo de Pilares, situava-se, logo no início da Av. João Ribeiro,
®   A loja de móveis do Sr. Chil Grynszpan, cuja serenidade não indicava aos eventuais fregueses a coragem e a bravura de um dos mais significativos nomes da resistência judaica na Polônia.
Seguindo em direção ao Largo da Abolição, encontramos, na então
®    Av. Suburbana, no número 7178, o comercio de móveis do Sr. Bernardo Giecht  
Na mesma rua, logo após a Rua Basílio da Gama, tinha
®    Loja de móveis o Sr. Lejba (Leon) Feferkorn.
Na mesma Av. Suburbana, praticamente na esquina da Rua da Abolição, outra
®    Loja de móveis, desta vez a do Sr. Falik (Felix) Junksztejn.
® Pouco adiante, com o mesmo comércio, era estabelecido o Sr. Berek (Bernardo) Szenkier.
Na esquina da Rua Cantilda Maciel,
®    Roupas e armarinho do Sr. Moisés Melamed, e, após, seu filho, Raul Melamed.
Na Rua da Abolição, junto ao Largo do mesmo nome, a
®    Loja de móveis do Sr. Leon Arkader.

Gostaria de agradecer aqui a ajuda de:  Adolpho Milech, Dan Pilderwasser, Marlene Sztyglic, Perla Shcolnik, Rachel Vaisman e dos três Jacob Arkader (filho de Chana e Pinchos Arkader).


Continua...




OS CAMINHOS DOS COMERCIANTES JUDEUS NO GRANDE MEYER (Parte 2)

Com estas considerações do post anterior, tem início a “peregrinação” pelos campos, por vezes traiçoeiros, de minhas memórias. 

Gostaria de agradecer aqui a ajuda de:  Adolpho Milech, Dan Pilderwasser, Marlene Sztyglic, Perla Shcolnik, Rachel Vaisman e dos três Jacob Arkader (filho de Chana e Pinchos Arkader)





Parti do Encantado (uma das fronteiras que criei para delimitação de bairros) e me dirigi ao Engenho Novo, pelo eixo Arquias Cordeiro.
®   Açougue da família Sender, criado pelo Sr. Machil (Miguel) Sender, junto à esquina de Arquias Cordeiro e José Bonifácio – Mais tarde, foi assumido pelos herdeiros, especialmente o filho Maurício, que expandiu a atividade, criando um grande frigorífico.
®    Ao lado, na curva entre aquelas duas ruas – Loja de móveis de Chanina Zajdhaft, que vivia próximo ao local, na companhia da esposa Laja (Lea) e das filhas, Maria, Bluma e Dora.
®    Encostada à loja, a clínica veterinária do Dr. Moysés Frymer, que, mais tarde, mudou-se para a Rua Vinicius de Morais, em Ipanema, onde ficou por muitos anos.
Adentrando pela Rua José Bonifácio, encontramos, na esquina com a Rua Honório, a
®    Loja de móveis do Sr. Berko (Bernardo) Tkacz.
Retornando à Rua Arquias Cordeiro, no trecho entre José Bonifácio e Getúlio, chegamos à
®    Alfaiataria do Sr. Srul Dykerman, ao lado da qual, curiosamente, havia uma outra, do Sr. Abram Josef Schneider (conhecido, à época, como Gueller Schneider, e, mais tarde, como Roiter Josef)
No quarteirão entre as Ruas Getúlio e Coração de Maria, localizava-se o
®    Armarinho e correlatos do Sr. Boris Pilderwasser, pai de Bertha Zaltman (casada com Isaac Zaltman, um dos mais prestigiosos locutores do rádio) e David Pilderwasser, casado com Ruth Gotlieb, ambos médicos e que fizeram Aliá
A seguir, entre Coração de Maria e Aristides Caire, tinha sede a
®    Casa Paraíso (armarinho, cama, mesa e banho), do Sr. Srul (Isaac) Arkader, de cujo casamento com D. Estela Melamed Arkader, resultaram 3 filhos – Jacob, Cecília e Paulina, esta prematuramente falecida.
No quarteirão seguinte, junto ao Hospital Salgado Filho, a
®    loja de móveis dos irmãos Fucs - Beirel (Bernardo) e Moysés, o primeiro pai de Jacques e Regina e o segundo, de Sima, Yanchel e Adolpho.
®  Em seguida, a Casa Queiroz (sapataria), cujo titulares eram dos poucos sefarditas estabelecidos na região, de nomes Obadia e Moisés Queiroz.
®    Ao lado, o comércio de D. Anna Cherman (creio que de capas, guarda chuvas, etc.), mãe de Hélio e David Cherman (ambos engenheiros, sendo o primeiro falecido). D. Anna e o marido, Hilton Balter, foram dos primeiros a criar uma construtora, que recebeu o nome de Hilana.
Fechando o quarteirão, ao lado do cinema Paratodos, e na esquina com a Rua Lucídio Lago, vinha o
®   Ponto Chic (armarinho e confecções), gerido pelo Sr. Pinho Silber. Casado com D. Branca Silber, teve as filhas Léa (Reznik) e Dora (Danon).
Imprescindível, antes de continuar, adentrar a Rua Lucídio Lago, e nela prosseguimos.
®    S. S. Fisz, da qual era titular o Sr. Szmil (Samuel Fisz) – Emigrou para Israel, na companhia da esposa e da filha, Mira, permanecendo no Brasil o filho, José Marcos Fisz, membro da Academia Nacional de Medicina.
No lado ímpar, o
®    Estabelecimento da família Prais, com o comércio de roupas, de cujo fundador não lembro o nome, mas dele participavam os filhos, Adolpho, Júlio e Jacob.
®   Ao lado, a Cinta Elegante (confecções, com ênfase para roupa íntima), gerido pelo casal Szamszon e Fany Berenfeld Stanger.  A filha (Inéia) emigrou para Israel e os 2 filhos, Luiz (engenheiro) e Paulo (advogado, publicitário, jornalista) faleceram prematuramente. Chegaram a ter algumas filiais, inclusive em Ipanema.
Voltando ao lado par, funcionou, na esquina com Frederico Meyer, a
®  Ótica Rojane, em que um dos titulares era o Sr. Isaac Furman, casado com Sara (Quevitique) Furman.  O nome homenageava a filha do casal, hoje titular da Babe – culinária judaica.
®   Em seguida, no número 170-A, a firma de confecções do Sr. Josef Lustman, pessoa sobrevivente da guerra, e que acaba de completar 100 anos.

Na Rua Frederico Meyer, funcionava uma loja de roupas e confecções, cujo titular era o Sr. Mayer Lazkani.

Um breve “atalho” para a esquina de Frederico Meyer e Carolina Meyer, nos leva ao
®    Estabelecimento dos irmãos Vajcberg (dos poucos judeus oriundos de Varsóvia). Os filhos Paltuel (Paulinho) e seus primos, Nute e Leib (Luizinho) frequentaram o Grêmio do Meyer, tendo o último falecido muito jovem.
Na Rua Carolina Meyer, eram estabelecidos, com a atividade de
®    Jóias, relógios e correlatos, os irmãos Zylberberg.
Retornando à Rua Arquias Cordeiro, ao lado do cinema Mascote, era
®   Estabelecido o Sr. Marcos Bersuc, com jóias e relógios.  Uma de suas filhas, Léa, foi casada com o conhecido advogado Salomão Velmovitskty, pais de 3 filhos, igualmente advogados, Riva, Jesse e Arnon, este último o atual presidente da FIERJ.
Surpreendentemente, no lado da via férrea, em uns poucos trechos, era possível a utilização por estabelecimento comercial e, de início, vamos encontrar o
®    Comércio do Sr. Szol Fajwel Messer, com atividade de roupas.
®    Um pouco mais adiante, a loja de móveis do Sr. Jorge Silber, ativista comunitário, que, por muito tempo, presidiu o Centro Chaim Weizman.

Continua...




quarta-feira, 10 de junho de 2020

OS CAMINHOS DOS COMERCIANTES JUDEUS NO GRANDE MEYER (Parte1)

Ainda uma vez, fica estabelecida, como premissa inafastável, que o trabalho não tem a pretensão, a minúcia e o rigor de um historiador, limitando-se a revolver meu baú de memórias, sem consulta documental aprofundada.
Quando Steven Spielberg criou o projeto Shoah, a ideia central era de que, ao passar do tempo, as janelas estavam se fechando, com o falecimento ou com problemas de cognição dos que poderiam testemunhar, prestando depoimentos esclarecedores.
A léguas de estabelecer qualquer comparação, é com esse estado de espírito que vou rascunhando alguns textos, que considero  rigorosamente  “obras abertas” (não no sentido que os novelistas lhe emprestam), mas sujeitos a revisões, correções e, principalmente, pedindo a colaboração de todos que possam acrescentar algo aos trabalhos. Mesmo porque, em vários casos, não recordo, sequer, qual era a atividade desenvolvida em alguns comércios.
Desta vez  ao contrário do que ocorreu no texto sobre a Rua José Bonifácio – é inviável que eu me atenha, apenas, aos aspectos “geográficos”, na medida em que cada negócio, cada estabelecimento, tinha a geri-lo um (ou mais) ser (es) humano (s) plenamente identificado (s).

Isto confere realce ao apelo que faço, no sentido de que filhos ou netos daqueles batalhadores venham aperfeiçoar esse texto.


O critério inicial, porém, há de ser a localização de cada loja ou indústria, acoplando-se, em seguida, os nomes correspondentes. 
Como praticamente todos os imigrantes chegados ao Rio de Janeiro, entre o final dos anos de 1920 e os anos de 1950, o trabalho inicial era o do mascate, o nunca suficientemente louvado “clienteltchik”  atividade ambulante extremamente cansativa, ingrata, extenuante, em todos os aspectos. Na medida em que logravam um razoável êxito neste campo, surgia a ideia de se estabelecerem num local fixo, com maior estabilidade e segurança.
Alguns prestamistas, porém, preferiram continuar atuando desta forma por mais tempo e, a partir do mesmo êxito, enveredaram diretamente pelo campo da construção civil, adquirindo terrenos nos subúrbios, procedendo à construção de prédios pequenos (2, 3 ou 4 apartamentos), vendendo-os, adquirindo outros, e assim sucessivamente, sendo exemplo o que consta da foto abaixo.










É geralmente apregoado  embora sem rigor histórico – que a modalidade de vendas a prestação, praticamente inexistente no comércio tradicional, foi desenvolvida a partir do pioneirismo do “clientteltchik”. Importante salientar que a maioria das lojas criadas tinham, como atividade prioritária, a venda de móveis e eletrodomésticos, como rádios, geladeiras, ventiladores, e, mais tarde, televisores.
A partir do início dos anos 1960 – e acelerando-se nos subsequentes  a criação de grandes lojas de departamentos, manejando, também, a modalidade de vendas a prestação, fez refluir aquela espécie de comércio (muito embora alguns tenham permanecido até meados dos anos de 1980). Os desbravadores migraram para outros campos (com ênfase para o da construção civil, como frisado) ou foram se afastando por força da inexorabilidade do tempo e seus efeitos.
Com estas considerações, começo minha “peregrinação” pelos campos, por vezes traiçoeiros, de minhas memórias.  



domingo, 7 de junho de 2020

Grêmio Cultural e Esportivo do Centro Hebreu Brasileiro Chaim Weizman (uma 1a abordagem)

A pedido de Leonardo Sender

A minha visão só pode abranger o período subsequente ao ano de 1951, quando, ainda com 14 anos, passei a frequentar o Grêmio e, pouco depois, a integrar a Diretoria. Sei, apenas, que, durante um bom tempo, revezaram-se na presidência o Pinhas Schcolnik e o Jacob Zilberman.
O prédio, na Rua Lucídio Lago, 292, era a sede do Centro Hebreu Brasileiro Chaim Weizman e constituído, basicamente, por uma entidade comunitária, um colégio e o Grêmio do Meyer. O nome oficial era Grêmio Cultural e Esportivo do Centro Hebreu Brasileiro Chaim Weizman.
Apesar da existência de uma, ou mais, Sefer Torah numa sala, não tenho lembrança de atividades religiosas regulares  ou talvez eu não tenha notado . Mas, nas Grandes Festas, o salão de honra se convertia em sinagoga, com centenas de pessoas. Não havia um rabino, nem chazan, mas, algumas pessoas mais conhecedoras, funcionavam como tal.
O coração do Centro era o Colégio Chaim Nachman Bialik, transferido de sua sede original, na Rua José Veríssimo, 36. Contava com um número significativo de alunos, mas  pelo que me recordo – só no Curso primário. Durante muito tempo, o Diretor era o professor Moisés Fridman, auxiliado por sua esposa, a professora Tuba Fridman. O ensino era de muito boa qualidade, tanto que os alunos não encontravam dificuldades para prosseguirem, tanto em colégios judaicos (Ginásio Hebreu Brasileiro, Scholem Aleichem, etc.), quanto da comunidade maior (Pedro II, Instituto de Educação, etc.). Neste ponto, destaque para o Colégio 2 de Dezembro, que ficava na mesma Rua Lucídio Lago, com diretores e professores do Colégio Pedro II, e no qual o percentual de alunos judeus girava em torno de 10%, num universo de 2000 alunos.
Funcionava, em tal contexto, o Grêmio, que congregava os jovens do Meyer e arredores, desde o Riachuelo até o Encantado (onde passava a “imperar” a comunidade de Madureira). O Grêmio promovia o convívio em festas, bailes, palestras, atividades culturais, passeios, etc.
O baile de aniversário em 1956 foi um evento extraordinário, com quase 1000 pessoas dançando ao som da Orquestra Tabajara, de Severino Araújo, uma das mais famosas do país. Em outros eventos, atuaram as bandas, igualmente famosas, de Waldemar Szpilman e Napoleão Tavares, mas, no dia-a-dia, atuava o “maestro Discolino”.
Em termos de palestras, ficaram famosas as de Flávio Cavalcanti, conhecido apresentador de televisão nos Programas “Um Instante, Maestro”, “Discos Impossíveis”, “Noite de Gala”; Paulo Roberto, um dos grandes nomes da Rádio Nacional em: “Um milhão de melodias”, “Obrigado, Doutor”, etc.; e Lamartine Babo, que, não satisfeito com a conversa, “emendou” até 4 da manhã num boteco que ficava em frente ao Centro.
Flávio Cavalcanti se apresentou no Grêmio, pouco após o evento do atentado da Rua Tonelero, ocorrido em 5 de agosto de 1954. A emboscada contra Carlos Lacerda precipitou a queda o o suicídio de Getúlio Vargas.
Como a Diretoria do Centro Hebreu Brasileiro Chaim Weizman era de pessoas da 1ª geração de imigrantes, as atividades esportivas não se apresentavam como prioritárias. Havia, porém, uma quadra poliesportiva  futebol de salão, vôlei e basquete , que era utilizada, também, pelos movimentos juvenis, principalmente Hashomer e Dror. Torneios de xadrez e tênis de mesa também tinham lugar.
O salão nobre era um dos maiores e melhores da comunidade, com um palco onde, em algumas oportunidades, apresentaram-se, inclusive, artistas estrangeiros do Teatro em Yiddish, que vinham em turnês ao Brasil. Foi memorável a noite protagonizada por Maurice (Morris) Schwartz, expoente do cinema norte-americano e não apenas em yiddish
A partir do final da década de 1950 e início da de 1960, a comunidade foi minguando, deslocando-se para a Tijuca e a Zonal Sul, com repercussão no número de alunos no colégio e o ingresso dos jovens na vida acadêmica ou profissional propriamente dita. Buscando evitar a perda do patrimônio tão duramente conseguido, foi ajustada uma fusão com o Ginásio Hebreu Brasileiro, mas que, infelizmente, não deteve a marcha inexorável dos tempos.
O prédio abrigou, por muitos anos, uma agência do INSS, e, hoje, é um supermercado. Entretanto, os que viveram aquela época sempre terão o Grêmio do Meyer na memória e no coração.

terça-feira, 2 de junho de 2020

UM SHTETL CHAMADO JOSÉ BONIFÁCIO - GENERALIDADES

Este é o primeiro texto relativo às minhas lembranças sobre a comunidade judaica do Meyer. Não sou historiador, e, portanto, não me faço acompanhar de metodologia compatível com uma obra de maior profundidade e/ou abrangência.
O livro editado pelo Museu Judaico, com depoimentos de um número significativo de pessoas que viveram nos subúrbios da Central do Brasil já forneceu um panorama bem amplo a respeito, ajudando a suprir lacunas que ainda existem sobre a saga judaica em nossa cidade, não obstante trabalhos anteriores de Samuel Malamud, Zevi Ghivelder, Heliete Vaissman, etc...
A despretensão  sem importar descuido – vai ser a característica desses meus escritos, que se limitarão à área em que viveu a comunidade do Meyer. Já de saída, perpetro uma heresia, ao afirmar que a maior parte da comunidade não morava no Meyer, propriamente dito, e sim em bairros limítrofes, que constituem o hoje designado como Grande Meyer.
Partindo do eixo da Rua Arquias Cordeiro, considero que a Rua Coração de Maria marca a “fronteira” entre o Meyer e Todos os Santos, e a Rua Piauí assinala a divisa com o Engenho de Dentro. Nesse eixo, meu critério situa o término da esfera de atração do Meyer na Rua Guilhermina, esquina da Rua Goiás (Encantado), pois, a partir dali, inicia-se o “polo” Madureira. Na direção oposta, o encontro da Rua Arquias Cordeiro com a Rua Propícia assinala a divisa com o Engenho Novo. Assim, afastando-nos do leito deste lado da via férrea, integram o grande Meyer os bairros de Cachambi, Del Castilho, Pilares, Inhaúma e Abolição.
Do outro lado da estada de ferro, assinalado pelo eixo 24 de Maio/Amaro Cavalcanti, os extremos seriam o fim da Rua São Francisco Xavier (Rocha) e o Largo do Encantado, compreendendo, portanto, Riachuelo, Sampaio, Engenho Novo, Todos os Santos, Engenho de Dentro e Encantado.
Com esse introito “googleano”, que, face ao passar do tempo, considero ainda válido, chego ao ponto de partida do tema de hoje  Um shtetl chamado José Bonifácio.

*****
Na memória de nossos pais e  em alguns casos  avós, o shtetl era um povoado rural, muito frequente na Europa Central e na Europa Oriental, com maior ênfase para a Polônia, a Romênia e a Rússia (antes e após a criação da União Soviética), e destaque maior para determinadas repúblicas, como a Ucrânia, a Bielo Rússia, a Moldávia e a Lituânia. As populações giravam em torno de 5 a 10 mil pessoas, e, em muitas delas, o percentual de judeus chegava a 50% dos habitantes.


                                 *****

Descrever a vida nos shtetls seria uma “chutzpá” imperdoável, após as obras de Scholem Aleichem, Bashevis Singer e muitos outros. São exatamente obras deste gênero, somadas aos depoimentos dos que lá viveram e dos aportes documentais, é que me permitem dizer que a Rua José Bonifácio era um shtetl transplantado para os trópicos.
Começava ela  como ainda começa  na Rua Arquias Cordeiro e terminava  como ainda hoje  na Av. D. Helder Câmara, antes Suburbana. Nela desembocavam a Travessa José Bonifácio, as Ruas Padre Ildefonso Penalba (antes, Tenente Costa), Geobert de Queiroz, Cirne Maia, Conselheiro Agostinho, Odorico Mendes e Major Mascarenhas, e era cruzada pela Rua Honório.
Nessa extensão aproximada de um quilômetro e meio  espraiando-se para a Rua Augusto Nunes, a maior das paralelas – em torno de 1000 a 1200 pessoas. Alguns detalhes dignos de nota eram a existência de edifícios (de 2 ou 3 pavimentos) em que todos os moradores eram judeus, e, também, a presença de 2 vilas  praticamente uma em frente à outra  em que 80% das casas eram ocupadas por judeus. Os demais se distribuíam em casas e em outros pequenos edifícios.
Como estavam todos empenhados na batalha sempre difícil dos imigrantes em busca dos ideais que acalentavam desde suas cidades natais, o convívio diário não era frequente, salvo entre vizinhos próximos, mas ele existia em ocasiões festivas, especialmente aniversários e bar-mitzvahs, numa época em que celebrações mais pomposas estavam fora de cogitações.
Sem deixar de lado oriundos de outras cidades, havia um liame um pouco maior entre os “landsman” (oriundos da mesma aldeia) ou entre os “shifbruder” (os que tinham vindo no mesmo navio. Ao contrário do que ocorria em Madureira, onde havia um grande equilíbrio numérico entre sionistas e os chamados “progressistas” (mais ligados à esquerda), a predominância dos primeiros na área do Meyer era esmagadora, não chegando a 10 os “progressistas”, e, mesmo assim (ou talvez por isso), inexistiam conflitos maiores.
O convívio maior ocorria na época das Grandes Festas (Rosh Hashaná e Yom Kipur), em que o salão do Centro Chaim Weizman era utilizado como sinagoga, com uma afluência muito grande.  Havia, também, uma outra sinagoga, localizada na Rua Magalhães Couto, próxima à Rua Dias da Cruz, e que era designada como Sinagoga Palatnik, com uma frequência menor, e cuja origem vale uma pesquisa. Estes polos de vivência comunitária demandam um estudo maior, que poderá, eventualmente, desembocar em outro texto similar a este.
Com uma frequência menor, verificavam-se encontros nos dois cinemas do bairro de Todos os Santos  o Roulien, na Rua Arquias Cordeiro, com poltronas de couro, mas sem ar refrigerado, e o Todos os Santos, mais no gênero “poeira”, com poltronas de madeira e um singular “ar refrigerado” (o teto era retrátil e se abria nas noites do calor, sempre muito forte, da região). 
O número de habitantes ortodoxos ou, até mesmo, mais ligados à religião, não era numeroso, embora o apego às tradições fosse acentuado. Além do açougue que fornecia carne kasher, os demais princípios da kashrut eram de difícil observância, obrigando deslocamentos até o centro da cidade, onde se localizavam alguns estabelecimentos, sobretudo nas áreas próximas à Rua de Santana e Praça da República. Entretanto, o abate ritual de galinhas era feito por um schoichet, que, principalmente aos domingos, chegava em plena madrugada, para desempenhar suas tarefas.
Esta é a primeira abordagem sobre o assunto, na qual preferi não declinar, desde logo, o lado humano dos habitantes do shtetl José Bonifácio com seus desdobramentos e características, o que demanda uma pesquisa mais apurada, a ser feita em outra ocasião.  


Ativistas da Hashomer Hatzair
na casa da família Sztyglic à
Rua Arquias Cordeiro, 676
(final dos anos de 1940)



                       

                    

OS CAMINHOS DOS COMERCIANTES JUDEUS NO GRANDE MEYER (Parte 4)

Continuação Colchoaria do Povo , na Rua  24 de Maio, 783. Passando para o eixo 24 de Maio/Amaro Cavalcanti , vou abordá-lo...